CRIPTOMOEDAS: DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA - Arquivei
CRIPTOMOEDAS, DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA
Publicado em

novembro, 2021

Escrito por

Maceno Lisboa

CRIPTOMOEDAS: DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA

A discussão sobre as operações envolvendo criptomoedas ainda pode ser considerada nova no Brasil, não havendo, nesse contexto, um regime jurídico adequadamente definido pela legislação sobre tais operações.  Assim, por causa dessa falta de informações sobre a sua natureza jurídica, as criptomoedas têm despertado inúmeros questionamentos, especialmente quando se trata de direito tributário. Ocorre que […]

Financeiro


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A discussão sobre as operações envolvendo criptomoedas ainda pode ser considerada nova no Brasil, não havendo, nesse contexto, um regime jurídico adequadamente definido pela legislação sobre tais operações. 

Assim, por causa dessa falta de informações sobre a sua natureza jurídica, as criptomoedas têm despertado inúmeros questionamentos, especialmente quando se trata de direito tributário.

Ocorre que o avanço dessa nova tecnologia acabou provocando uma intensa discussão sobre as regras de tributar suas estruturas e operações, visto que a propriedade de criptomoedas teria revelado riqueza aos contribuintes, o que permitiria a tributação pelo Fisco. Entretanto, a falta de definição de sua natureza jurídica não permite que se chegue, com segurança, à forma adequada de arrecadação tributária.

Na verdade, desde o seu nascimento, as criptomoedas vêm despertando calorosos debates. Isso porque, embora possa ser apenas considerada uma mera coincidência, é curioso que o texto que teria dado origem aos Bitcoins, que serviu de base para as demais criptomoedas, tenha sido publicado e difundido em plena crise financeira proporcionada pelo sistema financeiro das atividades bancárias em 2008. Assim, passa-se a uma breve análise sobre esse polêmico tema.

 1.CONCEITOS

O sistema da Bitcoin acabou sendo utilizado como base de funcionamento das demais criptomoedas, sendo a espécie de moeda virtual mais conhecida e utilizada pelos usuários no atual mercado de moedas virtuais. Um dos grandes motivos que se deve o sucesso do sistema da Blockchain da Bitcoin é o fato de que o artigo escrito por Satoshi Nakamoto teria sido o primeiro a apresentar uma sistemática puramente peer-to-peer (par-a-par) de dinheiro eletrônico em que os pagamentos seriam realizados diretamente entre os usuários, sem a intermediação de uma instituição financeira.

Embora possa ser apenas considerada uma mera coincidência, outro ponto que chama atenção é que o texto que deu origem às moedas Bitcoin foi publicado em meio ao contexto da maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1930. Isso acontece porque, em setembro de 2008, com a quebra do Banco Lehman Brothers, que foi a maior falência da história dos EUA, a confiança nas instituições financeiras ficou abalada.

 Além disso, houve também a crescente perda de privacidade financeira dos cidadãos, a qual era justificada pela ameaça terrorista, sendo intensificada depois dos ataques às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. É com esse contexto econômico tumultuado que Satoshi Nakamoto escreveu o texto “Bitcoin: A Peer-to-Peer Eletronic Cash System”. Logo, o bitcoin surgiu com o objetivo de contestar a estrutura tradicional estabelecida até o momento, a qual era baseada na confiança dos consumidores nas instituições financeiras.

Dessa forma, em 3 de janeiro de 2009, nascia oficialmente o Bitcoin, sendo realizada sua primeira transação no Bloco Gênese e transmitida à rede por Satoshi Nakamoto com uma mensagem fazendo alusão à manchete do jornal The Times daquele mesmo dia, o qual dizia “The Times 03/Jan/2009 Chancellor on brink of second bailout for banks” (em tradução livre, “Em 03/01/2009, Chanceler à beira de segundo resgate para os bancos”). Como pode ser observado, a mensagem deixa bem clara a visão crítica de Satoshi Nakamoto sobre o sistema bancário.

Nesse sentido, o Bitcoin foi criado com a proposta de ser utilizado com natureza de moeda eletrônica que seria trocada diretamente pelos usuários, sem a necessidade de intermediação de instituições financeiras. Essa questão em torno da natureza jurídica do Bitcoin acabou gerando uma acentuada discussão, debate que será objeto de análise no tópico seguinte.

2. A NATUREZA JURÍDICA DAS CRIPTOMOEDAS

A definição da natureza jurídica das criptomoedas é um ponto que vem despertando um intenso debate atualmente. Isso porque não há legislação estabelecendo sua natureza, bem como a doutrina não chegou a um consenso sobre essa questão. Todavia, esta definição é muito importante para que seja dispensado o tratamento jurídico adequado ao instituto.

Se não bastassem tais dificuldades, as criptomoedas ainda apresentam um cenário de incerteza quanto à sua natureza jurídica, especialmente se forem levados em consideração os diversos pronunciamentos oficiais sobre o tema, permitindo até mesmo que se chegue à conclusão de que não há no sistema jurídico atual brasileiro a possibilidade de tributar tais operações. 

De fato, dependendo do modo como é realizada ou utilizada a operação envolvendo as criptomoedas, pode-se atribuir diversas classificações jurídicas a elas. Inclusive, pode-se atribuir às criptomoedas uma natureza jurídica “camaleônica”, em que as referidas moedas virtuais se adaptam, conforme sua utilização, a diversas funcionalidades.

 

2.1. NATUREZA JURÍDICA DE MOEDA

Sem dúvida, a moeda é o instituto jurídico que mais chama a atenção por causa de sua similitude com as criptomoedas, na medida em que ambos os institutos podem ser utilizados como intermediários de troca e facilitam a realização de transações. Porém, não se pode ignorar que a Constituição definiu o conceito de “moeda”, ao qual as criptomoedas não podem ser inseridas.

Mesmo que haja semelhança de funções, o enquadramento das criptomoedas no conceito de “moeda” como se fosse dinheiro, ao menos do ponto de vista constitucional, não parece ser possível no Brasil. Corroborando com esta constatação, o Banco Central do Brasil emitiu, em 16 de novembro de 2017, o Comunicado nº 31.379/2017, em que afirmou que as criptomoedas (moedas virtuais) não se confundem com a definição de moedas eletrônicas, em razão de que não apresentam referências em reais ou em outras moedas estabelecidas pelos Governos soberanos.

 

2.2 NATUREZA JURÍDICA DE COMMODITY

Analisando as criptomoedas, observa-se que o seu comportamento econômico é bem semelhante àquele encontrado em bens presentes no mercado de commodities, que recebem investimentos e sofrem alterações de preços provocadas por notícias ou especulações. Além disso, observa-se que os investidores tratam algumas criptomoedas, especialmente os bitcoins, como se fossem commodities, investindo decisivamente nelas.

Adotando-se este posicionamento, os negócios jurídicos em que há troca de criptomoedas por bens ou serviços não poderiam ser considerados como de compra e venda, mas somente de contrato de permuta, por se tratar de troca de bens. Porém, criptomoedas não poderiam ser consideradas bens, em virtude de que teriam nascido com o propósito de ser meio de pagamento e, assim, não poderiam ser um bem.

Logo, os Bitoins poderiam possuir natureza sui generis, ou seja, não poderiam ser definidos apenas como bens ou tão somente como meio de pagamento, mas como ambos. Talvez seja por causa dessa dificuldade de definir a natureza jurídica das criptomoedas que levou a Receita Federal do Brasil a adotar, desde 2017, o posicionamento de que as criptomoedas são ativos financeiros, devendo-se declará-las na “Ficha Bens e Direitos” como “outros bens”.

 

2.3. NATUREZA JURÍDICA DE VALOR MOBILIÁRIO

Outra questão relevante a ser levantada é a possibilidade das criptomoedas, tal qual o Bitcoin, possuírem natureza jurídica de valor mobiliário dadas as características que suas operações adotam. Contudo, não se podem considerar as criptomoedas como “valores mobiliários”, na medida em que não estão previstas no rol do artigo 2º, da Lei 6.385/1976. 

Portanto, como pode ser observado, a natureza jurídica das criptomoedas não foi ainda adequadamente definida pela legislação brasileira, havendo muitas incertezas quanto a sua classificação no ordenamento jurídico. Essa insegurança é ainda agravada pela tímida busca por regulamentação do mercado de criptomoedas no Brasil.

3. OPERAÇÕES COM CRIPTOMOEDAS E OS POSSÍVEIS ENCAMINHAMENTOS

As criptomoedas adotam um sistema de pagamento peer-to-peer, que não depende de uma autoridade central para concretizá-la. Assim, os usuários possuem três formas de adquiri-las, sendo, de forma geral, por meio da mineração, da aquisição (compra) ou a troca por outras espécies de criptomoedas.

De fato, até a criação do Bitcoin em 2008 pelo programador identificado pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto, transações online necessitavam de um terceiro intermediador de confiança que, no caso, seria os bancos. Todavia, quebrando este paradigma, Satoshi Nakamoto apresentou esta estrutura de pagamento peer-to-peer de pagamento eletrônico, cujas operações ocorriam em um sistema denominado Blockchain. Essa ferramenta se trata de uma tecnologia que viabilizava o registro de informações em um espaço público e compartilhado, permitindo que os demais usuários realizassem a validação de tais operações.

Logo, qualquer participante da rede poderia fiscalizar e validar as operações na Blockchain, mas, para que isso realmente funcionasse, Satoshi Nakamoto criou um sistema de incentivo para que os usuários seguissem trabalhando nesta estrutura, realizando tais validações e viabilizando a circulação das moedas virtuais. Assim, o participante da rede que validar e registrar a operação com as criptomoedas, tais como o Bitcoin, recebe em troca para cada transação validada uma determinada quantidade de unidades de Bitcoin (criptomoedas).

Como pode ser observado, as transações envolvendo criptomoedas são confirmadas pelos próprios participantes do sistema, por meio da resolução de problemas matemáticos, sendo que tais usuários são conhecidos como mineradores, já que exercem a atividade de mineração de criptomoedas.

Por outro lado, não se pode ignorar que, além da mineração, existe a possibilidade de troca e de aquisição de criptomoedas por aquelas pessoas que não integram a Blockchain, mas que visam investir nas moedas virtuais, seja para fins especulativos ou para utilizar as criptomoedas como forma de pagamento. Logo, essas transações podem ser realizadas com o fim de adquirir criptomoedas, com o pagamento em moeda fiduciária, ou na troca por outras criptomoedas, bem como pode possuir o objetivo de realizar o pagamento de bens e serviços.

Portanto, sem dúvida alguma, as atividades de mineração, aquisição e troca de criptomoedas são passíveis de atrair a incidência tributária, sendo imprescindível a análise das formas possíveis de tributação.

4. OS AVANÇOS DAS CRIPTOMOEDAS

As criptomoedas adotaram como base de funcionamento o sistema do Bitcoin, que foi criado com uma proposta de ser utilizado com a natureza de ser moeda eletrônica. Por sua vez, ela seria trocada diretamente entre os usuários, sem a intermediação de instituições financeiras, por meio de um sistema peer-to-peer. Como pode ser observado, a adoção das criptomoedas representou um avanço tecnológico, provocando algumas discussões sobre a forma de exercer a tributação sobre tais operações.

De fato, as criptomoedas envolvem operações complexas que parecem atrair a incidência de diversos tributos de entes federativos diferentes, o que suscitaria conflitos de identificação do titular da competência tributária quanto às operações envolvendo criptomoedas. Ocorre que o grande problema da identificação da forma de tributação incidente sobre as operações envolvendo criptomoedas passa pelo problema da definição de sua natureza jurídica.

Portanto, o principal problema envolvendo as operações com criptomoedas é definir as obrigações tributárias que os investidores em criptomoedas precisam cumprir, pois, enquanto perdurar esta insegurança, nenhuma das partes ganhará, na medida em que o Estado perde de arrecadar e o contribuinte fica inseguro em investir em novo negócio que pode trazer riqueza e desenvolvimento ao país. 

 

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