Um tema que recorrentemente se destaca entre os estudantes de direito tributário como fonte de muitas dúvidas é a substituição tributária. Tendo em vista que ela tem uma complexidade notável, muitos operadores do direito preferem evitá-la ao invés de procurar decifrá-la.
Sendo uma temática de extrema riqueza de conteúdo, a substituição tributária é foco de diversas discussões judiciais acerca de sua aplicação, abrangência e até mesmo validade. Assim, em meio às várias polêmicas vinculadas a ela, destaca-se que a maior de todas é, certamente, a discussão sobre a necessidade ou não de complementação do ICMS-ST quando configurada diferença a maior entre a base de cálculo efetivamente praticada e a base presumida estipulada.
Entretanto, para entendermos os corretos contornos que circundam esse tema específico, é necessário esclarecer, primeiro, algumas definições e conceitos introdutórios desse assunto.
DEFINIÇÕES GERAIS SOBRE A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E O ICMS-ST
O primeiro passo para compreendermos o ICMS-ST é esclarecer o que é efetivamente a substituição tributária. Adotando uma definição mais didática e simplificada, pode-se dizer que a substituição tributária é um método excepcional de tributação que visa facilitar a arrecadação e a fiscalização por parte do Fisco em situações de difícil controle operacional.
A adoção dessa sistemática arrecadatória acarreta a concentração da carga tributária de um tributo que incidiria em todas as etapas da cadeia produtiva em um único momento, ou no início ou no fim. Por meio de uma previsão legal específica, o legislador tem a faculdade de criar essa ficção jurídica, facilitando assim a fiscalização tributária.
Vale ressaltar que, mesmo que seja determinado o recolhimento da carga tributária integral em uma única etapa da cadeia por um único contribuinte, que será denominado substituto, as demais entidades que compõem a cadeia também serão consideradas como contribuintes, denominadas substituídos.
Quanto à figura do ICMS-ST, essa é uma modalidade específica do imposto estadual que incide sobre a circulação de mercadoria que, para alguns segmentos econômicos pontuados em lei, obedecem à sistemática da substituição tributária.
Tendo em vista que existem duas espécies de substituição tributária (“para frente” e “para trás”), ressalta-se que a que mais causa discussão, sem sombra de dúvida, é a substituição tributária prospectiva (“para frente”). A razão que justifica esse fato é simples: como os eventos ainda não ocorreram, cabe ao legislador e ao Fisco definirem bases de tributação de forma presumida por meio de um cálculo complexo.
Dessa forma, já que é exigido do sujeito passivo, na substituição tributária prospectiva, uma carga fiscal sobre uma base hipotética, a não ocorrência dela, no futuro, pode gerar diversas consequências para o patrimônio jurídico dos contribuintes. Para entendermos essas consequências, é muito importante termos uma noção básica de como é definido o cálculo do ICMS-ST na hipótese de substituição tributária “para frente”.
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3. FORMA DE CÁLCULO DO ICMS-ST
A forma de cálculo do ICMS-ST na modalidade prospectiva está disposta no Art. 8º da Lei Complementar n° 87/96. Esse dispositivo prevê em seu inciso II que a base de cálculo, para fins de substituição tributária, será, em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: “a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário; b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço; c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes”.
Frente aos elementos que compõem o cálculo, o fator que mais chama atenção é o chamado de “margem de valor agregado” (MVA). Conforme §4º do artigo supramencionado, considera-se MVA a “estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei”.
Constata-se que essa margem é foco de muitas incertezas, pois é natural que o cenário econômico sofra alterações mais bruscas que justifiquem a comercialização de uma mercadoria por um preço bem abaixo dos usualmente praticados pelo mercado.
Diante dessas situações, surgiu uma grande discussão (cuja definição acarretou outra enorme polêmica) relacionada ao fato de o contribuinte ter ou não direito a restituir a diferença a maior de ICMS-ST recolhido antecipadamente quando constatado que a base presumida utilizada foi maior que o preço praticado.
Dessa forma, chegamos ao ponto em que é necessário analisar as definições que compõem o julgamento pelo STF do tema de repercussão geral n° 201, que versava sobre o mencionado direito de restituição. Esse estudo é essencial para compreendermos a atual discussão sobre a necessidade ou não de complementação do ICMS-ST quando o preço praticado é superior à base presumida utilizada.
4. JULGAMENTO DO TEMA N° 201 PELO STF E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS CONTRIBUINTES
Em 18 de setembro de 2009, por meio da análise do RE n° 593.849/MG, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da discussão acerca do direito de restituição da diferença a maior de ICMS-ST pelos contribuintes quando a MVA utilizada é superior ao preço praticado ao final da cadeia.
O pleito dos contribuintes se justifica, em síntese, no fato de que a Constituição Federal prevê expressamente em seu §7º do Art. 150 que, caso a lei atribua responsabilidade de obrigação tributária à responsável por fato gerador posterior, mas não se realize essa hipótese presumida, resta assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga.
Com o objetivo de colocar um fim nessa discussão que se arrastou por vários anos, a Corte Suprema definiu, em 2016, o tema da seguinte forma: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
Respeitando plenamente a previsão constitucional, o STF possibilitou que fosse ajustada a relação tributária dos contribuintes que atuam nas cadeias produtivas abarcadas pela substituição tributária do ICMS caso fossem constatadas diferenças a maior entre a base presumida e a base efetiva da operação.
Em resposta a tal julgamento, os Fiscos estaduais retiraram uma outra interpretação da decisão vinculante da Corte Suprema, que representa um gigantesco prejuízo para alguns contribuintes. Segundo a ótica fiscal, se é devida a restituição em caso de diferença a maior da base presumida, a consequência lógica contrária seria que, caso restasse constatado que a base presumida foi menor que a base praticada/efetivada, o contribuinte teria que proceder com a complementação da diferença de ICMS-ST.
Essa linha argumentativa tem gerado polêmicas discussões entre os estudiosos do direito tributário. Em contrapartida ao raciocínio fiscal, os contribuintes entendem que a definição do TEMA n° 201 pelo STF não teve o condão de validar tal cabimento, tornando, assim, a exigência de complementação da diferença de ICMS-ST não só ilegal como inconstitucional.
Sobre o tema da complementação, o Poder Judiciário tem entendimentos nada promissores para os contribuintes. Analisando a jurisprudência recente do STJ, grande parte dos recursos especiais sobre a matéria não foram nem mesmo conhecidos, uma vez que o STJ entende que ela é de competência constitucional.
Até o presente momento, não foi reconhecida nenhuma tese de repercussão geral vinculada à complementação do ICMS-ST. Além disso, o STF tem decidido de forma esparsa que o julgamento do TEMA n° 201 (RE nº 593.849/MG) teria possibilitado a prática da complementação em questão.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebe-se que a substituição tributária sempre foi e continuará sendo uma fonte recorrente de discussões entre os órgãos fiscais e os contribuintes. A complexidade que envolve esse estudo certamente é o fator principal que acaba por afastar os operadores do direito do seu manuseio.
Mesmo sendo considerada uma ficção jurídica criada para facilitar a fiscalização tributária e concretizar o princípio da praticabilidade tributária, são numerosos os casos em que o emprego da substituição tributária tornou a exação fiscal muito mais ambígua do que clara. Quanto à discussão sobre a necessidade ou não de complementação do ICMS-ST pelo contribuinte nos casos em que a base presumida é inferior à base praticada, entende-se que essa temática litigiosa está longe de ser pacificada.
A grande probabilidade é que, futuramente, o Supremo Tribunal Federal reconheça a repercussão geral deste tema e defina exaustivamente como o contribuinte deve se portar nessa situação. Enquanto a resolução judicial não ocorre, a melhor conduta que pode ser adotada pelos operadores do direito é a discussão dos diversos pontos de vista existentes.
Quanto aos empreendedores com operações negociais diretamente influenciadas pela conclusão final desse impasse jurídico-tributário, recomenda-se que busquem o assessoramento jurídico especializado para que seja adotada a medida mais precavida possível para sua situação.
E para continuar por dentro do assunto, acesse o nosso infográfico CEST — Código Especificador da Substituição Tributária