O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é um importante tributo que constitui, em diversos casos, a maior fonte de receitas dos estados.
Ele está previsto no art. 155, II da Constituição Federal, exatamente no capítulo que trata da competência dos Estados e do Distrito Federal e, também é, regulamentado pela Lei Complementar, pelas Resoluções do Senado Federal, pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e das disposições Estaduais (leis e decretos).
Considerando que são 27 estados no Brasil, o ICMS possui mais de 27 legislações e regulamentos que lhe dão tratamentos diferentes. Isso explica, portanto, o motivo de ser um dos tributos mais complexos e discutidos em âmbito administrativo e judicial.
Ao longo deste artigo abordaremos noções básicas e necessárias que podem ajudar você a compreender mais sobre esse imposto e não ficar perdido com as suas leis. Confira!
1. O que é e como surgiu o ICMS?
O início da tributação sobre o consumo aconteceu através do Decreto 4.505, de 1870 que instituiu o Imposto do Selo. Este imposto era cobrado no momento da emissão de faturas relacionadas às vendas. Em 1937, com a promulgação da Constituição, houve a instituição do Imposto Sobre Vendas e Consignações (IVC) que incidia em cada venda, com a mesma alíquota, não havendo possibilidade de deduções. O IVC foi mantido até a Emenda Constitucional 18/65, que trata da reforma do Sistema Tributário e que o substituiu pelo Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICM).
Embora as alíquotas uniformes fossem mantidas, o objetivo era inovador, já que o ICM passaria a incidir somente sobre o lucro e não sobre toda a operação, como acontecia no IVC. Contudo, as desigualdades entre os Estados produtores e consumidores agravou a manutenção das alíquotas. Deste modo, como uma forma de equilibrar a incidência da tributação, e evitar a guerra fiscal, coube ao Senado a uniformização das alíquotas. Nesse momento, houve também a criação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), através da Lei Complementar 24, de 1975.
Depois da promulgação da CF/88, o ICM passou a ser ICMS, passando a incidir também sobre os serviços de combustíveis e lubrificantes gasosos, comunicação e minerais do país.
2. ICMS e o Princípio da Não Cumulatividade
Conforme visto acima, houve a necessidade de alterar a forma de cobrança do imposto, de forma que, a partir da instituição pela Emenda Constitucional 18/65, o ICMS passou a ser não cumulativo.
A não cumulatividade pode ser considerada como um princípio ou técnica de tributação que visa impedir a incidência sucessiva do tributo na mesma operação. O principal intuito dessa técnica é não onerar demasiadamente a cadeia pela qual passa o produto, de modo que neutralize a carga tributária que incide sobre ela.
Isso significa que a não cumulatividade permite o creditamento dos valores pagos na etapa anterior. Esta previsão está disposta no art. 19, da Lei Kandir, “O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado”.
O maior exemplo dessa sistemática ocorre quando o contribuinte de ICMS adquire bens para posterior revenda da mesma mercadoria. Assim, os valores de ICMS, que foram pagos na cadeia anterior, poderão ser apropriados na sua escrita fiscal como crédito. Você pode entender melhor o funcionamento da técnica de tributação, pelo aspecto contábil [aqui].
Algumas operações, contudo, não permitem o creditamento. Para que seja aplicada a não cumulatividade é necessário que tenha existido um pagamento posterior. A lei prevê que as operações isentas não tributadas ou que não se relacionem com a atividade do estabelecimento não gerem créditos (art. 20, §1°, da LC 87/96).
3. Sujeito passivo – contribuinte e responsável
Conforme estabelece o art. 121, do Código Tributário Nacional (CTN), o sujeito passivo é quem está obrigado ao pagamento do tributo. Assim, tratando-se de ICMS, temos dois sujeitos relacionados ao cumprimento da obrigação: o contribuinte e o responsável.
O contribuinte foi definido pela Lei Complementar 87/96 (também conhecida como Lei Kandir) e complementado pelas definições específicas dadas pelos estados.
Além dele, a lei ainda autoriza que a responsabilidade pelo pagamento do tributo seja atribuída ao terceiro. Há diversos tipos de responsabilidade: de sucessores, terceiros, solidária ou subsidiária, mas nos limitaremos a tratar sobre a substituição tributária, ou ICMS-ST.
4. Contribuinte do ICMS
A CF estabelece que caberá à Lei Complementar (LC) definir quem serão os contribuintes. Portanto, a Lei Complementar 87/96, em seu artigo 4°, dispôs que será contribuinte a pessoa física ou jurídica que realize com habitualidade, ou com intuito comercial, as operações que envolvam circulação de mercadoria, prestações de serviço de transporte dentro do Município, ou entre os Estados, ou ainda aquele que prestar serviços de comunicação.
A LC também considera contribuinte o sujeito que realiza importações de mercadorias, mesmo que sem habitualidade, por exemplo a mercadoria pode ser destinada ao consumo ou ativo permanente da empresa.
Essas são as hipóteses gerais, no entanto os estados podem acrescentar outras possibilidades. Portanto, o ICMS Estadual é instituído por lei e sua regulamentação ocorre pelos Decretos.
Conforme mencionado, também é considerado sujeito passivo da obrigação tributária aquele que a lei atribui responsabilidade. Ou seja, a lei pode atribuir ao terceiro o pagamento da obrigação tributária.
4.1 Tratamentos exemplos do ICMS
Para contextualizar, podemos comparar o tratamento dado pelo Regulamento de ICMS (RICMS) do Pará (Decreto n. 4.676/01) e do Rio Grande do Sul (Decreto 37.699/97).
O RICMS/PA, dispõe no art. 14 que, além das hipóteses gerais mencionadas anteriormente, também será considerado como contribuinte o leiloeiro, em relação à saída de mercadoria arrematada em leilão.
Já no RICMS/RS, coincidentemente no art. 14, o leiloeiro não é qualificado como contribuinte, mas é responsável solidário, caso a mercadoria vendida por ele não esteja acompanhada do documento fiscal exigido.
Por isso é importante conhecer, além das regulamentações gerais – CF e LC –, as disposições do estado sede da empresa, e dos estados com os quais as operações se realizem com mais frequência.
5. Responsável por substituição tributária
A substituição tributária surgiu como uma forma de atender ao Princípio da Praticidade e de combater à sonegação, uma vez que facilita a fiscalização e centraliza a apuração e o recolhimento do imposto em apenas um contribuinte.
Em termos simples o que ocorre é a troca de responsabilidade pelo recolhimento do tributo, que pode ser atribuída para o próximo contribuinte da cadeia (ST para trás), ou centralizada no início da circulação (para frente).
5.1 Exemplo de substituição para trás
No caso da substituição tributária para trás, quem recolhe o tributo da operação é o próximo da cadeia. Por exemplo, um produtor rural transfere à cooperativa a responsabilidade pelo recolhimento. Quando a cooperativa for realizar sua venda, deverá recolher o ICMS da etapa anterior (originalmente devido pelo produtor rural – ICMS-ST) e o recolhimento do ICMS da sua própria operação (ICMS próprio).
Seria muito custoso e difícil para o fisco chegar até cada produtor rural, e fiscalizar suas operações para averiguar se o imposto foi devidamente recolhido. Contudo, embora haja diversas cooperativas também, a lei atribui a elas maior quantidade de obrigações acessórias, de forma que se torna mais eficaz concentrar a fiscalização nelas.
5.2 Exemplo de substituição para frente
Na mesma linha de entendimento, temos a substituição tributária para frente como o exato oposto da anterior. Nesta situação, a indústria realiza sua operação e cabe a ela ser responsável pelo recolhimento do ICMS da sua operação (ICMS próprio) e o recolhimento – por substituição – das etapas subsequentes (ICMS-ST).
Igualmente à operação de substituição tributária para trás, presume-se que uma indústria tenha mais condições de suportar o ônus e de prestar as informações necessárias para que o fisco verifique o efetivo recolhimento do imposto.
Além disso, vale mencionar que, em ambos os exemplos, o ICMS-ST acaba sendo embutido no preço da venda da mercadoria, o que em vários casos acaba por encarecer o produto que está sujeito à incidência da substituição tributária.
5.3 Críticas à substituição tributária
Essa técnica de tributação, além de promover debates no âmbito administrativo e judicial, sofre muitas críticas, principalmente, porque o argumento com o qual foi criada – facilidade de fiscalização – não subsiste mais em razão de toda evolução tecnológica, além da quantidade de obrigações acessórias criadas pelo fisco.
Nas operações interestaduais, somente haverá substituição tributária, caso tenha Convênio ou Protocolo celebrado no âmbito do CONFAZ. Os Convênios são termos ratificados por todos os Estados, e os Protocolos podem ser celebrados entre Estados.
Atualmente as disposições gerais quanto às operações interestaduais podem ser verificadas no Convênio ICMS 142/18. Nele estão listados os bens e mercadorias que estão passíveis de sujeição ao regime da ST.
6. Incidência e Fato Gerador do ICMS
Inicialmente vale diferenciar a hipótese de incidência em relação ao fato gerador. Ambos são semelhantes e, por vezes, a própria legislação os trata como sinônimos, mas existem diferenças importantes para conhecer.
A hipótese de incidência está prevista em lei e chama-se de hipótese normativa, a qual estabelece que determinada conduta estará sujeita ao pagamento de um imposto. Deste modo, quando o contribuinte realizar a hipótese prevista em lei, atrairá a incidência da norma, fazendo surgir o fato gerador.
6.1 Exemplo de incidência da norma e fato gerador
A partir do exemplo, verifica-se que a incidência acontecerá quando for verificada a adequação da situação ocorrida (fato gerador) à previsão legal (hipótese normativa). Por exclusão, ocorre a não incidência quando não existir a norma legal que prevê a incidência.
Além disso, para que um estado ofereça qualquer benefício fiscal, isenção ou não incidência, deverá ser autorizado pelos demais estados membros do CONFAZ, sob pena de não ter o benefício reconhecido, e ficar sujeito à autuação fiscal.
Desde logo vale esclarecer que a Constituição não cria tributos, ela apenas outorga as competências para sua instituição. Por exemplo, no art. 155, da CF, estão previstos os impostos que poderão ser cobrados pelos estados, de forma que cabe a eles a instituição dos tributos, através da lei.
Assim, se um estado optar por não regulamentar determinada situação, estará fora da incidência – por consequência, não incidirá o imposto, conforme veremos logo adiante.
7. Regulamentações do ICMS
Conforme já mencionado, o ICMS possui diversas regulamentações. A base de todas é a Constituição Federal que disciplina as competências; abaixo dela está a Lei Complementar 87/96, conhecida como Lei Kandir, que apresenta as disposições gerais a serem observadas pelos estados no momento da sua instituição interna.
Assim, a partir da análise das legislações, verifica-se que o ICMS incide não só sobre a circulação de mercadorias, mas também sobre a prestação de alguns serviços, como de comunicação e transporte. É um imposto amplo que incide sobre:
- Operações que envolvem circulação de mercadorias;
- Operações mistas entre circulação de mercadorias e prestação de serviços – inclusive quando iniciada no exterior;
- Prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal;
- Prestação de serviço de comunicação;
- Importação de bens e mercadorias;
- Importação de serviços.
7.1 Para incidência do imposto, considera-se que:
- Operações – São atos mercantis, negócios jurídicos;
- Circulação – Refere-se à transferência de titularidade, não bastando o mero deslocamento;
- Mercadorias – São o objeto da transação.
Quanto às mercadorias, cabe apontar ainda que elas devem estar vinculadas com a atividade econômica e habitual de cada estabelecimento, além de terem finalidade lucrativa.
Esses conceitos simples, mencionados acima, já foram objeto de análise do Supremo Tribunal de Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por gerarem divergências entre fisco x contribuinte.
O entendimento de ambos foi que a simples movimentação de mercadoria, seja ela estadual ou interestadual, não é fato gerador de ICMS, matéria pacificada na Súmula 166 (STJ) que dispõe “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
7.2 ICMS confunde-se com ISS
As hipóteses de incidência do ICMS podem, num primeiro momento, confundir-se com o Imposto sobre Serviço (ISS) que é de competência Municipal, regulamentado pela Lei Complementar 116/03. Contudo, a Lei Kandir deixa claro que, quando houver prestação de serviços, que estão inclusos na LC 116, não incidirá ICMS, cabendo ao Município disciplinar a matéria (art. 2°, IV da LC 87/96).
Já a não incidência do imposto está prevista no art. 3° da Lei Kandir, podendo citar como exemplo os seguintes casos:
- Operações imunes pela CF (art. 150, IV, d) – livros, jornais, periódicos e papel destinado à impressão;
- Operações que destinem ao exterior mercadorias;
- Operações de arrendamento mercantil;
- Operações de alienação fiduciária em garantia.
8. Alíquotas do ICMS
Já sabemos que o ICMS possui uma legislação muito extensa. Sua previsão se inicia na Constituição Federal, continua pela Lei Complementar e também conta com regulamentações específicas do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
A CF estabelece que as alíquotas máximas e mínimas podem ser distribuídas pelo Senado Federal. Para facilitar a compreensão, leia outra matéria publicada pelo blog da Arquivei, no qual há uma Tabela do ICMS, além de exemplos de cálculo, que você pode consultar. Confira aqui!
8.1 Alíquotas internas
As alíquotas internas de cada estado são atribuídas pelo ente que tem competência, variando entre 12 e 20%. Elas dependem do regulamento interno e devem ser observadas de acordo com as disposições publicadas pelo Senado Federal, e não podem ser inferiores às alíquotas interestaduais.
Vale apontar que a CF prevê a possibilidade do ICMS seletivo. Contudo, se o legislador estadual optar por atribuir alíquotas seletivas, deverá observar a essencialidade do serviço ou mercadoria prestada.
8.2 Exemplo de alíquotas – em seletividade de imposto (ICMS)
Podemos citar um exemplo a partir das alíquotas do Rio Grande do Sul (RS): incide sobre a conta de energia elétrica a alíquota de 30%, enquanto cigarros e bebidas possuem uma alíquota menor de 25%. Ora, cigarros e bebidas não são mercadorias essenciais para sobrevivência da população, porém certamente a energia elétrica é um serviço essencial, que inclusive foi elencada na Lei de Greve (art. 10) com essa característica.
Essa discussão sobre o ICMS incidente sobre a conta de energia elétrica no RS, como alíquota mais alta do Estado, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STJ) que gerou o Tema 745 – este ainda aguarda julgamento.
9. Alíquotas interestaduais
As alíquotas interestaduais são estabelecidas por Resolução do Senado Federal. Dessa forma, quem receberá os valores será o Estado de destino, porquanto ao destinatário caberá o Diferencial de alíquota, que veremos a seguir.
Nas operações interestaduais, as alíquotas são fixadas da seguinte forma:
- 7% para regiões do Norte, Nordeste, Centro Oeste e ES;
- 12% para regiões do Sul e Sudeste, com exceção do ES.
9.1 Diferencial de alíquota
O Diferencial de alíquota (Difal) é o recolhimento da diferença entre as alíquotas vigentes no estado destinatário e remetente. Por exemplo: se você reside em um local onde a alíquota é de 18% e realiza uma compra com uma empresa que incide 7%, no momento da entrada da mercadoria no estado de destino, você terá de recolher os 11% de diferença.
Quando o destinatário da compra for contribuinte do imposto, a ele caberá o recolhimento dos valores. Contudo, caso não seja contribuinte do ICMS, a responsabilidade será do remetente.
9.2 Obrigatoriedade do recolhimento da Difal
O intuito dessa cobrança era desestimular a guerra fiscal, porque a alíquota de outro estado é muito inferior à alíquota interna, portanto pode tornar-se mais atrativo comprar de outra região, o que impactaria na arrecadação tributária. Somado a esse objetivo, há o crescimento de vendas pela internet.
Diante disso, e por meio da Emenda Constitucional 87/15 e do Convênio ICMS 93/15, passou a ser obrigatório o recolhimento das diferenças de alíquotas. No início a distribuição da renda foi dividida da seguinte forma:
Ou seja, desde 2019 toda a arrecadação é remetida ao estado de destino. Você pode entender um pouco melhor, clicando aqui.
9.3 Alíquotas importação
Através da Resolução 13/12, o Senado Federal atribuiu a alíquota de 4% nas operações interestaduais às mercadorias importadas em que o destinatário for contribuinte do imposto, permanecendo essa atribuição até hoje.
A alíquota incide sobre as mercadorias que não tenham sido destinadas à industrialização ou que caso tenham sido submetidas a qualquer transformação mantenha o conteúdo de importação acima de 40%.
O conteúdo de importação deve ser aferido após qualquer processo de industrialização que o bem importado tenha sofrido, conforme explica a SEFAZ/SP.
O percentual de 4% também se aplica às operações interestaduais com mercadoria importada, mesmo que adquirida no mercado nacional.
Conforme a lista editada pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), a alíquota não é aplicável aos bens e mercadorias que não tenham similar nacional.
10. ICMS e sua complexidade
Apesar de termos apontado vários pontos e exemplos concernentes ao ICMS há ainda detalhes dentro de cada especificidade apresentada, o que corrobora com nossa afirmação (já sabida por muitos) sobre a complexidade própria desse imposto. Contudo, de forma geral esperamos ter esclarecido e ajudado a entender melhor o tema tão denso, mas também, importante do ICMS que permeia a vida de todos nós.
Se você tiver dúvidas ou deseja fazer suas considerações, comente abaixo ou escreva diretamente para a autora: andressasehn@vamosescrever.com.br